A “boa índole” nazista como argumento negacionista: diferentes interpretações para a Solução Final. (Parte 2)

Hans Landa, Bastardos Inglórios (2009)


            Antes da Solução Final ser finalmente escolhido pela Conferência de Wannsee, a ilha de Madagascar havia sido sugerida por Himmler, influente integrante do partido nazista, que visava deportar os judeus para a ilha, que, até então, era colônia francesa (ROSEMAN, 2003, p. 29). Por conta da Segunda Guerra Mundial, o transporte pelo Mar Mediterrâneo e Atlântico, principais rotas para uma possível deportação, estaria sob risco de interceptação dos Aliados, além dos custos e da falta de infraestrutura para receber tantos deportados.

            Bauman (1998, p. 35) complementa:

Eichmann passou um ano inteiro trabalhando no projeto Madagascar: com a França derrotada, sua longínqua colônia podia ser transformada no principado judeu que não se materializara na Europa. O projeto Madagascar, no entanto, provou igualmente malfadado, dada a enorme distância, o volume de espaço necessário em navios e a presença naval britânica em alto mar.

            O Plano Madagascar é citado, inclusive, no filme Bastardos Inglórios (2009), do diretor Quentin Tarantino, pelo personagem Hans Landa, oficial da SS responsável por caçar judeus na França ocupada pelos nazistas. Na cena em questão, Hans Landa, ao falar com um prisioneiro americano, comentou que sua perseguição aos judeus não era uma perseguição pessoal, e que havia apoiado o Plano Madagascar ao invés da matança que ocorria no Reich nazista.         Tanto a Solução Final quanto o Plano Madagascar apontam para a tentativa do NSDAP de estabelecer a jundenfrei, isto é, a ‘limpeza’ realizada no Reich referente aos judeus (IBIDEM, p. 35). No entanto, os planos de uma Alemanha ‘livre de judeus’ não foi o suficiente, e, ainda segundo Bauman (1998, p. 35):

Em tais circunstâncias, a meta de uma Alemanha judenfrei só podia seguir-se no processo. Passo a passo, quase de maneira imperceptível, ela ampliou-se para o objetivo de uma Europa judenfrei. Ambições dessa magnitude não podiam ser preenchidas por uma Madagascar [...]

No entanto, um desafio encontrado pelos historiadores, como fora comentado anteriormente, é a falta de documentos oficiais que façam menção direta as perseguições e ao genocídio. Roseman (2003, p. 10) comenta que não nenhum registro direto de Hitler ou Himmler, os que estariam no topo da estrutura da NSDAP nesta questão, autorizando ou debatendo questão pertinentes ao Holocausto. Os oficiais da SS foram cuidadosos quando a tais registros. Ainda assim, apesar da negação dos revisionistas ao defender que na Conferência de Wannsee foi decidido apenas a deportação para leste – Polônia ocupada – e nada mais, é clara a menção de intenções homicidas, como, previamente, definindo que os judeus trabalhariam até a exaustão/morte (IBIDEM, p. 86)

Com as menções que existem acerca do Plano Madagascar, Oliveira (1998) comenta que o fracasso do plano se deu não pela enorme inviabilidade do plano, mas por resistência do sionismo europeu. Objetivamente, Oliveira (1998, p. 214-215, grifos nossos) dispõe de dois parágrafos ao tratar do Plano Madagascar, nos quais diz:

Nessa época, os judeus vinham sendo incentivados a deixar a Alemanha. Até mesmo um plano de emigração para Madagascar fora elaborado pelo Governo nacional-socialista. É óbvio que a efetivação desse plano exigia alta cifra em dinheiro, além, é claro, de apoio político internacional. No primeiro caso, os próprios judeus poderiam prover as despesas. Ocorre que a cúpula sionista e os banqueiros judeus tinham outras prioridades. Não havia interesse em atender ás pretensões nacional-socialistas, mas manter dentro da Alemanha um pomo de discórdia, um clima de repúdio aos judeus, de modo a alimentar os sentimentos anti-nazistas no mundo inteiro. Roger GARAUDY (o escritor que despertou o ódio dos judeus contra si e o Abade Pierre), juntando sua opinião com as de dezenas de autores revisionistas da atualidade, afirma: "O judaísmo internacional desafiou Hitler, e sacrificou milhares de co-irmãos, com o objetivo de satisfazer o ideal sionista de criar o Estado de Israel." O plano Madagascar não saiu do papel porque a Franga e os países monitorados pelos sionistas não o quiseram.

Há alguns pontos a ser destacado na argumentação de Oliveira (1998), começando com o financiamento do plano. Ao que tudo indica, Oliveira (1998) acredita que os próprios judeus deveriam bancar sua própria deportação para fora do país do qual possuíam residência. A seguir, em relação a não efetivação do plano, os judeus teriam se negado a sair justamente pela depreciação do NSDAP em esfera internacional. Oliveira (1998, p. 215-216) comenta, ainda, as ações antissemitas de outros países, que, de fato, muitas são verdadeiras; no entanto, põe as escolhas do NSDAP como exceções benévolas. Ou seja, o NSDAP se esforçou para “[...] obter a emigração dos judeus de seus territórios. Esgotadas as possibilidades no sentido da emigração voluntária, apelou o Estado para a Solução Final“ (IBIDEM, p. 215-216, grifo nosso), na qual, esta última, é reconhecida por Oliveira (1998) como apenas um ato de deportação.

            Logo, as expressões de Hans Landa não parecem tão caricatas quando analisados os posicionamentos de determinados negacionistas do Holocausto. Muitos deles, da mesma forma, se veem como benignos, que sofreram com a perseguição de uma classe banqueira, influente e poderosa, que passou a denegrir as boas intenções dos inocentes militantes do NSDAP.

 

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto; tradução, Marcus Penchel. — Rio de Janeiro: JorgeZahar Ed., 1998

OLIVEIRA, Sérgio. O livro branco sobre a conspiração mundial. Porto Alegre, Editora e Livraria Revisão, 1998.

ROSEMAN, Mark. Os nazistas e a solução final: a verdadeira história da Conferência de Wannsee; tradução Maria Luiza Z. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

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