A “boa índole” nazista como argumento negacionista: diferentes interpretações para a Solução Final. (Parte 3/Conclusão)

Fonte: Nuevorden.net (2009)


            Tanto o nazismo clássico quando alguns movimentos neonazistas possuem certo saudosismo com tradições pagãs nórdicas pré-cristãs, que envolvem o culto a figuras como Odin e Thor. A apropriação da religiosidade nórdica por supremacistas foi impulsionada por David Lane, supremacista estadunidense, fundador do wotanismo nos anos 1990, uma cultuação a entidades pagãs e a “[...] ideia de “Lei Natural“ como a observada por Lane [que] consiste em “preservar a própria espécie“, como uma exigência da natureza.“ (DIAS, 2018, p. 60).

            Dias (2007; 2018) realiza uma pesquisa extensa sobre os movimentos supremacistas brasileiros e estrangeiros dentro e fora do ambiente da internet. Sendo que a pesquisa de 2007 aborda, principalmente, a atividade desses grupos no ambiente online – brasileiros e estrangeiros -, expondo os principais sites, blogs e fóruns utilizados na propagação de material supremacista e neonazista. A mais recente, a tese de doutorado (DIAS, 2018), aborda o papel que David Lane tem no cenário supremacista dos Estados Unidos e o papel de nazificação desses grupos.

            Sobre o uso da simbologia religiosa nórdica, Dias (2007, p. 175-176, grifos nosso) comenta sobre o uso do deus pagão Thor em algumas postagens:

O mito de Thor ocupa um lugar central no panteão neonazi, inclusive por representar a força da natureza, que, para eles, se associaria diretamente à hierarquização entre raças, entre homem e mulher, entre dominados e soberanos. Há referências ao mito de Thor nos grupos racistas neo-pagãos e nos grupos racistas cristãos, ele aparece como modelo de vida moralmente correta: é casado, defende seu povo, mantém a ordem no seu mundo.

            Mas dentre o uso do panteão nórdico como elemento simbólico, cabe destacar a relação com a natureza e com a própria “Lei Natural“ como justificativa ideológica dos grupos supremacistas. Isto é, conforme exposto por Dias (2018, p. 107), o centro da luta de Lane é “assegurar um futuro para as crianças brancas“; logo, a “[...] meritocracia, a preservação dos superiores, é também uma “Lei Natural“, e a miscigenação contraria a lei natural de sobrevivência racial, pois enfraqueceria o arianismo.“ O discurso de segregação e ódio é, antes de mais nada, algo natural, uma escolha inevitável a ser defendida. Dias (2018, p. 40) apresenta, também, que supremacistas compartilham em fóruns imagens de Lane em meio a natureza, apresentando o supremacista como um admirador da mesma; o que, por uma ótica, pode parecer incongruente se relacionado à um sujeito que defende o ódio contra etnias.

            Além do exemplo de Lane, o artigo de nome Hitler e os Animais (2009) que pode ser achado em blogs neonazistas de língua portuguesa, pode exemplificar ainda melhor a relação dos nazistas e/ou neonazistas com a natureza. O texto, que é assinado por Nuevorden.net (ver Figura 1), apresenta as medidas tomadas pelo por Hitler quando governou a Alemanha em relação a proteção animal e sua vida pessoal, apresentando, assim, um sujeito integro e de boa personalidade. O artigo (NUEVORDEN.NET, 2009)  contém informações o suficientes para serem objeto de estudo de uma pesquisa mais extensa; aqui, por estar em comparação com outros casos do cenário neonazista, será considerado apenas os pontos altos do texto, como as considerações finais do(s) autor(es) do mesmo.

Figura 1 - introdução do artigo Hitler e os Animais (2009)

    Fonte: Nuevorden.net (2009)

Logo, o artigo, ao comentar sobre o público que se destina, cita os que amam os animais e “[...] as idéias [sic] e o comportamento de Hitler sobre este problema são prova de sua grandeza, uma prova muito mais convincente que mil falsificados documentos de quantas coisas se queira.“ (NUEVORDEN.NET, 2009. p. 24, grifo nosso). Há outros paralelos feitos entre as posições de Hitler e sua índole; ainda na mesma página, o artigo o chama de “uma alma sensível“ e cita “[...] a grandeza espiritual desse homem exemplar.“(IBIDEM).

Na introdução, a relação da ’boa índole‘[1] de Hitler fica mais evidente:

Era Hitler um assassino? Os milhares de títulos publicados até hoje parecem demonstrar-lo mas, em todos os países [sic] do mundo, surgem grupos, partidos ou associações mais ou menos grandes como a nossa, formadas quase em sua totalidade por jovens que não conseguiram ser enganados pela propaganda. Falamos de outro Hitler, de um Hitler humano, de um Hitler com sentimentos [...] (IBIDEM, p. 4, grifo nosso)

            Acerca desta discussão, por mais que o(s) autor(es) do artigo, ao que tudo indica, neguem o Holocausto e os crimes cometidos pelo NSDAP, é bom reiterar o perigo da reabilitação de personagens históricos que foram responsáveis por políticas que de ódio e que, declaradamente, visavam o extermínio de etnias. Razzo (2016, p. 27) acautela para os perigos da idealização totalitária e da formação dessa mentalidade, afinal, ao pensar sobre novas políticas, tem-se de considerar que “[...] um dos principais problemas está no preço que se está disposto a pagar pela radical transformação deste mundo.”

Considerações Finais

            As informações apresentadas por alguns autores revisionistas são, em parte, verdadeiras; não se pode negar que se baseiam, por vezes, em fatos históricos comumente aceitos. No entanto, suas conclusões e/ou deduções acerca de determinado evento – que pode ser constatado por provas dúbias ou insuficientes – dá suporte para um pensamento totalmente divergente do apontado pelas pesquisas históricas; e essa pensamento, a estrutura que possibilita a reabilitação do regime do NSDAP, é potencialmente perigosa. No presente artigo, algumas informações, dentre várias contidas nas fontes exploradas, puderam ser discutidas e debatidas; no entanto, ainda há os argumentos restantes que necessitam de pesquisa e tempo para serem desmantelados. Tais interpretações históricas, quando acessadas por quem não tem determinada metodologia de pesquisa e um conhecimento histórico sobre o que foi o NSDAP (e respectivamente os crimes que cometera), podem ser absorvidas e defendidas pelas mesmas. Pode-se destacar aqui o público jovem que, por estar em idade de aprendizagem e por possuir um amplo acesso à internet, pode ter uma compreensão falsa dos fatos histórico e das motivações de certos líderes políticos.


Referências:

DIAS, Adriana Abreu Magalhães. Os anacronautas do teutonismo virtual: Uma etnografia do neonazismo na Internet. 2007. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, 2007.

___________________________Observando o ódio : entre uma etnografia do neonazismo e a biografia de David Lane. 2018. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, 2018.

NUVORDEN.NET. Hitler e os Animais. 2009. Originalmente disponibilizado em < www.nuevorden.net/portugues/

RAZZO, Francisco. A imaginação totalitária [recurso eletrônico] : os perigos da política. Rio de Janeiro: Record, 2016.


[1] O artigo chega a citar Hitler como “[...]um grande homem, um homem total e completo, com uns sentimentos e uma humanidade que lhe convertem em uma pessoa única na história.” (NUEVORDEN.NET, 2009, p. 6)

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