A “boa índole” nazista como argumento negacionista: diferentes interpretações para a Solução Final. (Parte 1)


Eichmann em Jerusalém, 1961.
Fonte: Domínio Público

            Há muito tempo tem-se discutido sobre as condições psicológicas e sociais que permitiram que os alemães arquitetassem um genocídio tão elaborado como o Holocausto, fazendo o uso de deportações entre países do Reich alemão e cremações em massa. Bauman (1998) discute sobre tais interpretações, e acautela, sociologicamente, como que determinada compreensões podem prejudicar no que foi, de fato, o Holocausto; um fenômeno pertencente a modernidade, não exclusa dela, que poderia acontecer, também, noutras sociedades.

            No entanto, o presente artigo se propõe a analisar outro fator em relação ao Holocausto, que seria a interpretação feita por revisionistas e negacionistas sobre o tema. Assim, neste sentido, foca em apresentar como determinados fatos históricos, alguns consensualmente aceitos, como o Plano Madagascar e a Solução Final, refletem conclusões totalmente diferentes das comumente aceitas. Ou seja, os planos elaborados sistematicamente pelo NSDAP teriam sido boicotados pelo sionismo internacional, no caso do Plano Madagascar, e deturpados pelos Aliados, os países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, referente a Solução Final.

            Para tal, o artigo expõe alguns  argumentos presentes na obra O livro branco sobre a conspiração mundial, de Sérgio Oliveira, revisionista brasileiro, como argumentação revisionista. E, em contraste, apresenta o trabalho do historiador Roseman (2003), que discute sobre as questões elencadas anteriormente. Para um embasamento sociológico, o artigo também trata sobre os comentários de Bauman (2003) referentes a compreensão das ações realizadas pela Alemanha nazista como idiossincrasia da modernidade, e não somente de uma partido, pois, se assim pensado, corremos o risco de fomentar um sentimento de segurança, e menos compromissos teremos para resguardá-la (IBIDEM, p. 9). Apresentando, assim, ao mesmo tempo que propõe uma tentativa de compreender a história com uma visão não maniqueísta, expõe a tentativa de reabilitação moral do regime do NSDAP por parte do revisionismo, através da negação dos crimes cometidos.

A deportação para leste

            O antissemitismo que levou a Alemanha nazista a realizar o Holocausto não era recente quando a NSDAP emergiu no país. Da mesma forma, o genocídio executado pelos nazistas demorou para se concretizar, e, quando feito, a menção o registro do mesmo era feito de forma indireta, como aponta Bauman (2003, p. 155):

Levar as vítimas às câmaras de gás era chamado “realocação“ e a identidade dos campos de extermínio era dissolvida numa vaga idéia [sic]: “o leste“. Quando porta-vozes dos guetos procuravam comandantes da SS para saber se eram verdade os boatos insistentes sobre iminentes morticínios, os alemães negavam categoricamente. O segredo era mantido até, literalmente, o último momento. Um crime pelo qual os membros judeus de um Sonderkommando [comando especial] que servisse nas câmaras de gás e crematórios eram punidos com a morte imediata era contar aos recém-chegados desembarcados dos vagões de gado que o edifício que viam da plataforma não era um banheiro público.

            Antes do genocídio, a alternativa encontrada pelos alemães era a deportação dos judeus, sendo criada até mesma a Agência Central do Reich, em 1939 (ROSEMAN, 2003, p. 81). No entanto, durante a Conferência de Wannsee, realizada em 1942, alguns comandantes da SS alemã, dentre eles Reinhard Heydrich e Adolf Eichmann, discutiram outras medidas para a ‘questão judaica‘, que desembocou na escolha da Solução Final, um projeto que vizava exterminar judeus em campos na Polônia (algumas em regiões tomadas da URSS, como Treblinka e Sobibor) que levava em conta até mesmo judeus residentes de outros países europeus. Estima-se que 11 milhões de judeus seriam afetados pelo plano da Solução Final (ROSEMAN, 2003, p. 82). Não há muitos registros sobre a reunião, mas há uma cópia do protocolo, que conteria as informações principais do que fora discutido, que sobreviveu ao final da guerra; cópia esta que foi usada, inclusive, no Julgamento de Nuremberg, que sentenciou diversos líderes nazistas. Heinrich Lammers, chefe da chancelaria do Reich alemão, protestou, durante o julgamento que as informações do protocolo não eram registros exatos do que fora discutido (IBIDEM, p. 80).

Em vez de emigração, Heydrich continiou, o Fuhrer dera sua aprovação para um novo tipo de solução - a evacuação dos judeus para o leste. A frase seguinte, ambígua, diz: "Essas ações devem contudo ser vistas apenas como um alivio temporário [Ausweichmoglichkeiten], mas elas estão fornecendo a experiência prática que é de grande importância para a próxima solução final da questão judaica." com surpreendente tranquilidade, a ata continua com a observação de que cerca de 11 milhões de judeus seriam afetados pela Solução Final (IBIDEM, 2003, p. 81-82, grifo nosso)

Tal evacuação para o leste se referia, segundo Oliveira (1998), somente a deportação, não o extermínio. Ainda, Oliveira (1998) aponta, como outros autores revisionistas, como S. E. Castan, certa descredibilidade acerca do Julgamento de Nuremberg, como outros que sentenciaram nazistas. Tal questão sobre a interpretação do que teria sido, de fato, a Solução Final para esses autores revela alguns importantes; os nazistas teriam sido injustiçados moralmente, por terem sido acusados de crimes que não cometeram e possuiriam supostas boas intenções ao deportar os judeus – alias, segundo Oliveira (1998), as mortes ocorridas nas campos de concentração foram causadas pela Tifo, uma doença transmitida por piolhos e pulgas. Consequentemente, este teria sido o motivo dos alemães terem raspados os cabelos dos presos nos campos. Em síntese, Oliveira (1998, p. 216, grifo nosso) afirma:

Para os alemães (a exceção de uns poucos - como Rudolf Franz Ferdinand Hóss - comandante de Auschwitz, submetido á torturas e condicionado a responder o interrogatório segundo as conveniências dos inquisidores), a "Solução Final' teve o significado de "deportação para as regiões do leste europeu". Não existe um único documento, uma linha sequer, confirmando o genocídio. Em outras palavras, a pecha do Holocausto, terrível acusação lançada sobre o nacional-socialismo e, em conseqüência [sic], sobre o povo alemão, pois este apoiou fielmente o regime em seus 12 anos de vigência, é baseada exclusivamente em prova testemunhal.

            Além disso, outra suposta prova da farsa do Holocausto e da afirmação da boa índole dos nazistas é defendida por David Cole, negacionista responsável por um documentário (1992) popular no meio neonazista e revisionista de nome Um Judeu Sobre a Verdade de Auschwitz. No documentário, em determinado momento, Cole mostra uma piscina em dos complexos de Auschwitz, a Auschwitz I, o que seria a prova de que os presos seriam bem tratados e que possuíam, até mesmo, meios de lazer, como a piscina. Aqui, cabe destacar que o complexo de Auschwitz, formado por três construções, fora construído por poloneses, não pelos nazistas; assim, o uso primário das instalações não seria a execução de um genocídio. Retornando a Cole, vê-se, ao invés da execução de um crime, provas da boa índole dos nazistas; de como eram cuidadosos com os judeus que sofriam com a epidemia de Tifo.

            Novamente, por vezes, as mesmas informações e os mesmos fatos refletem em outras interpretações nas mãos de determinados autores, e todos os crimes imputados ao NSDAP são originados de uma operação de difamação que visa a defesa do judaísmo internacional. De que vale todos os registros acerca dos crime do século XX se de nada valem ou se são deturpados? E quando apontam justamente o contrário, como os inúmeros relatos dos sobreviventes dos campos de concentração, são descredibilizados. Acerca dos relatos, S. E. Castan, escritor revisionista que escreveu livros juntamente com Sérgio Oliveira, comenta que “o testemunho é a prostituta das provas“ (OLIVEIRA, 1998, 216). 



Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto; tradução, Marcus Penchel. — Rio de Janeiro: JorgeZahar Ed., 1998

ROSEMAN, Mark. Os nazistas e a solução final: a verdadeira história da Conferência de Wannsee; tradução Maria Luiza Z. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

OLIVEIRA, Sérgio. O livro branco sobre a conspiração mundial. Porto Alegre, Editora e Livraria Revisão, 1998.

Comentários